Justice volta à ativa após oito anos: 'A música eletrônica parece que não evoluiu o suficiente'
- 30/10/2024
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Após novo álbum lançado no primeiro semestre, duo francês de disco music apresenta coletânea de remixes e clipe com Tame Impala.
Foram oito anos de distância entre os dois últimos álbuns de estúdio Justice, duo de música eletrônica formado pelos franceses Xavier de Rosnay e Gaspard Augé. Apesar do hiato entre os trabalhos, o último lançamento da dupla, de nome "Hyperdrama", saiu em abril deste ano e já começa a dar frutos, a exemplo do novo EP de remixes e mais um videoclipe da faixa "Neverender" gravada em parceria com o ícone do indie Tame Impala. Com o retorno às criações, a dupla (agora quarentona e com quase duas décadas desde o lançamento do primeiro álbum) também voltou à rotina de shows. E jura ter encontrado um público diferente na audiência.
— Observamos alguns fãs mais 'hardcore' na plateia, mas a maioria é composta de gente bem jovem. Aliás, notamos inclusive mais mulheres e meninas no público, é interessante ver como a audiência tem evoluído. Acho que ter gente de 20 anos na plateia é prova de que fizemos algo bem certo nesse álbum — comenta Gaspard, o mais reservado da dupla. — Claro que amamos nossos fãs que têm a mesma idade que a gente, mas gostamos de estar num panorama contemporâneo da música.
Apesar da tenra idade dos fãs, os artistas garantem que os celulares onipresentes na plateia não impedem que se estabeleça uma conexão de qualidade com a audiência ao longo do show. Embora até mesmo Bruno Mars peça para a turma que o assiste deixar o aparelhinho no bolso e curtir o momento.
— Foi só uma ou duas vezes que notamos que as pessoas estavam filmando no lugar de viverem o momento. E olha que fizemos algo como 30 shows. Ainda há uma grande energia, as pessoas estão absorvida por ela. O que é muito legal — diz Xavier. — É um pouco estranho para nós ainda subir ao palco, estamos encontrando um meio para nos sentir confortáveis tocando ao vivo.
A dupla, mesmo após o longo hiato que quase chegou a uma década, ainda segue focada em misturar elementos do rock (em sua vertente mais alternativa) e a música dançante, mais especialmente a disco music. Em 2007, quando surgiram com seu trabalho de estreia, o elogiado Cross, o ritmo da noite estava mergulhado no eletrônico do tipo house, algo que não mudou tanto assim, eles avaliam.
— Não somos especialistas em música eletrônica, mas parece que (o cenário) não evoluiu o suficiente. Sentimos que a música eletrônica deveria ser um espaço de inovação e exploração. E não mudou tanto assim nos últimos 20 ou 40 anos — diz Xavier. — Claro isso sem esquecer que existe uma cena underground que tem feito coisas diferentes.
Talvez a análise mais sintomática dessa "paradeira" na área eletrônica da música seja sentida quando os franceses enumeram suas principais referências musicais. Quase nada de eletrônico vem à mente dos dois, que têm uma apresentação marcada para a Colômbia para o ano que vem, mas ainda não tem planos de voltar ao Brasil, onde estiveram pela última vez há mais de uma década.
— A música eletrônica é o que nos traz as menores influências. Gostamos de glam rock, de música clássica, e de Gabber (uma vertente de tecno). A gente gosta de música que tenha algum tipo de apelo emocional e, até certo ponto, a música eletrônica de grande alcance hoje, para nós, carece de conteúdo musical e emocional. É algo muito linear e muito previsível. Por isso, estamos sempre tentando colocar algum tipo de elemento disruptivo na música que estamos fazendo — dispara Gáspard.
O que une o Justice à música eletrônica, diz Gáspard, é o meio em que é produzida: os sistemas de computadores. Porque, ao fim do dia, eles dizem que se veem como uma banda de disco com certo som futurista (o que não é lá uma descrição muito fora da realidade do que se pode ouvir em Hyperdrama).
Uma das faixas mais radiofônicas do disco, aliás, é justamente "Neverender", que conta com a colaboração dos australianos do Tame Impala e que foi revisitada em quatro mixagens diferentes no EP lançado nesse mês.
— Quando entramos em contato com o Kevin (Parker, o fundador do Tame Impala) para trabalhar nas faixas já tínhamos feito uma espécie de demo das músicas e achamos que, pelo menos para uma delas, ele seria perfeito. E assim foi com a faixa 'Neverender', para nós segue como uma faixa de discoteca, bem moderna —diz Xavier. — Ele também está na faixa "One Night/All Night". A voz dele deixou a música mais triste, bela e sensível. As participações, porém, não mudam a direção do álbum, quando os convidamos já sabemos qual seria o tom do trabalho.
Tantas opiniões severas sobre a música, é claro, refletem como forma de um perfeccionismo mordaz para ambos os artistas. A ponto de, por vezes, não curtirem o show que está em sua frente diante da obsessão de fazer tudo perfeitamente calculado.
— É tudo muitíssimo organizado, tentamos fazer tudo (no show) na hora certa e no lugar certo, mas isso nunca acontece. Às vezes perdemos o panorama geral (da apresentação) porque estamos focados em muitos detalhes. Terminamos pensando: 'ah, não, estraguei tal parte", o que pode levar a um desapontamento de vários dias — confessa Xavier. —Talvez devêssemos relaxar um pouco. Porque há uma boa aura ao redor do show e do álbum. A ideia é abraçar isso em vez de pensar naquilo que não estava funcionando ou naquela parte que não tocamos bem ou qualquer outra coisa. Estamos todos num momento muito positivo.